A PREMONIÇÃO. Realização de JOÃO GABRIEL PAIXÃO. Com PAULO GARCIA, FLÁVIO OZÓRIO, RODRIGO REINOSO, LUCIANA HAZIN, ARIANE ROCHA e TONI MOREIRA. 2013, Brasil, 14 minutos.
Após passar uma noite permeada de sonhos vívidos e atribulados, um homem vai ao escritório trabalhar. De um peitoril imponente, entre a paisagem costeira carioca e os painéis de madeira do gabinete, conta o que viu enquanto sonhava. Mais tarde, ao acompanharmos sua errância pelo Centro do Rio de Janeiro, percebemos que talvez não estejamos tão despertos assim. Filmado em 35mm, este curta hipnótico de João G. Paixão demonstra um rigor cinematográfico que flerta com a literatura de João do Rio e seus traços documentais.
FOLHA DA SESSÃO, POR CAROLINA AZEVEDO
Um clamor de desgraça e de delírio. Do conto, o sonho, que se materializa em filme. “Ontem sonhei”, começa o protagonista de A premonição, de João Gabriel Paixão. Inspirado na pequena história “Dentro da noite”, de João do Rio, o filme transforma a degeneração sexual narrada pelo cronista em imaginação. Mediado pela luz brilhante que atravessa a tela, o conto do homem cujo desejo estremecia em violência ganha outra camada opaca de fantasia.
Em um escritório que visa a cidade, olhando vagamente para a Ponte Rio–Niterói, o personagem pálido e suado conta seu sonho: suplantado por uma pulsão incontrolável, ao cair da noite carioca, sai pelas ruas furando os braços de moças que cruzam seu caminho ao acaso. Há uma em específico que movimenta o seu desejo – uma moça de blusa amarela “compunha o prazer diante daquele susto de carne que havia de sentir,” como descreve o protagonista do conto de João do Rio.
Mas aquele não era apenas um sonho, narra o personagem do filme, e sim uma premonição. Com o mesmo olhar estranho e a camisa encardida, o homem desce às veredas de pedra do Centro do Rio de Janeiro para viver o duplo da história que havia acabado de contar ao colega no escritório. O insólito da quimera se transforma em um drama horrendo em seu caráter tangível. Os pesares da cidade o acompanham – da gráfica, onde ele primeiro vê a mulher da blusa amarela, ao bar, onde ele enfim a ataca.
É um Rio de Janeiro singular. Filmado há apenas dez anos – e registrado em película, raridade elegante que pouco se vê nos filmes universitários de hoje – parece menos contemporâneo do que ele realmente é. A movimentação das ruas explode ao som constante e um pouco incômodo que leva o personagem em sua jornada para dentro da noite. Todo o cenário é ordinário ao extremo: a gráfica, as ruas comerciais, o bar de esquina. Àquela moça que toma uma cerveja enquanto espera, sozinha, no bar, não há nada a temer. A cidade é a de sempre, assim como as multidões que a cercam. Mas, nas narrativas urbanas de João do Rio, há sempre algo de sombrio à espreita, alguém esperando para agarrar-lhe os braços, sacudi-los e fazer-lhes furos com uma agulha ou um canivete.
No entanto, dentro desta noite metropolitana o horror se faz risível. No filme, como num sonho, o hediondo não passa de uma fantasia inofensiva. Não vale a pena psicologizá-lo, é um fantasma que se dissolve com o corte final da película. Exceto que agora o sonho também é nosso. Os espectros da irrealidade já invadiram também a nossa noite com o rigor do realismo. O que mais ocultam os meios que carregam essa estranha mensagem?
“És mais um tipo a enriquecer a série enorme dos discípulos do marquês de Sade.” O que é mais uma filmagem do clássico cinematográfico do voyeur urbano que persegue mulheres sem voz e sem nome? É uma preocupação para o programador contemporâneo, é claro. Por que exibir um filme que, alguns questionariam, reproduz o clichê do cinema narrativo masculinista que Laura Mulvey denunciou em 1973? De fato, está tudo ali: a fascinação de um sujeito que, tomado por sua fantasia onírica, liberta o monstruoso masculino. A mulher está presa à ordem simbólica do sonho, ambiente regido pelas obsessões do personagem – assim como o filme é regido pela linguagem do diretor –, que sequer lhe confere significado algum além de vítima. Se o nosso protagonista é silencioso em sua transe de cinema, no conto de João do Rio, ele descreve violentamente: “era um estado que nunca se apossara de mim: a vontade de tê-los só para os meus olhos, de beijá-los, de acariciá-los, mas principalmente de fazê-los sofrer.”
Colocada em contexto, a crítica feminista que toma conta dos debates nas redes sociais a cada nova exibição não precisa ceder à simplicidade intelectual em nome do discurso da solidariedade ética. Em 1976, Susan Sontag define esse tipo de militância como um discurso de segunda mão, ao mesmo tempo em que defende que exércitos de homens e mulheres apontem o dedo para estereótipos sexistas na linguagem, no comportamento e nas imagens de nossa sociedade.
Mas definir um filme como misógino ou feminista pelos temas de sua narrativa não promove uma crítica concreta aos modos do cinema masculino, mas dociliza um cinema feminino que deixa de lado questões estéticas para ceder lugar a uma pretensiosidade política que não deixa de encorajar outro moralismo não menos repressivo e determinante.
Susan Sontag e Laura Mulvey denunciaram um cinema hegemônico como patriarcal sem deixar de entender o poder da linguagem subversiva para quebrar com o padrão. Valorizam-se formatos como este que exibimos nestes Estranhos Encontros, o curta-metragem do novo mundo e das novas gerações, inevitavelmente experimental em sua forma de superar a duração para expressar novas mensagens com novas linguagens.
Em A premonição, é o mecanismo do sonho que desautoriza o clichê. Um cinema que se baseia em sonho liberta o olhar da câmera da materialidade do tempo e do espaço, ao mesmo tempo em que equaliza público e personagem enquanto passivos da mesma ação descontrolada. O protagonista é tão passivo quanto nós, espectadores da mesma visão irreprimível. Ele também não é menos silencioso em seu delírio e misterioso em seu caráter do que a garota que lhe serve de vítima.
Mesmo que figure “mais que um sonho”, como anuncia o protagonista, A premonição continua sendo um cinema da ordem do onírico, irrealidade absurda de linguagem que anuncia um “novo mundo”.
Carolina Azevedo é jornalista e crítica de cinema filiada à Abraccine. Edita o Le Monde Diplomatique Brasil, a Multiplot! e a Vertovina. É programadora-chefe dos Estranhos Encontros.
FOLHA DA SESSÃO, POR CAUÊ DIAS BAPTISTA
Guardo uma estranha atração por este filme de João Gabriel Paixão, sobre o qual já escrevi em outras ocasiões. Acredito ser um documento preciso de certa atmosfera que contaminava aqueles que sonhavam e, movidos por estes sonhos, arriscavam-se na prática da realização cinematográfica na Região Sudeste do Brasil, virada dos anos 10. É preciso contextualizar para depois, assistindo ao filme, descontextualizar – e se deixar levar pelo espírito da época. É precisamente isso que A premonição revela.
Contextualizando: no início dos anos 2000, a dita cinefilia brasileira passava por uma reorganização efetiva na internet, através de revistas e blogs independentes. Essa constelação de jovens apaixonados viria a fornecer os nomes que ocupariam os holofotes enquanto um novíssimo cinema brasileiro – como também forneceu quadros profissionais para produtoras, festivais e burocracia pública no que tange o audiovisual enquanto política cultural. Nessa virada de chave entre o amadorismo juvenil e o mundo do trabalho, prevaleceu o cinema enquanto máquina de produção; os poucos realizadores que viriam, de fato, a deixar uma marca na história do cinema brasileiro não surgiram dessa cena ao redor da cinefilia e da crítica. Isso embora tenham sido lançados por iniciativas derivadas ou geridas por pessoas oriundas desse movimento.
Pois bem, uma segunda geração se apresenta e literalmente “pega o bastão” da cinefilia organizada. O diretor João Gabriel Paixão fora editor da notável revista Contracampo e curador da também importante retrospectiva de Fritz Lang no Centro Cultural Banco do Brasil – ela congregou em sua programação e catálogo nomes expressivos da crítica e do pensamento cinematográfico brasileiro. Esses feitos de Paixão foram feitos de juventude, que se encontram com a realização de A premonição na Universidade Federal Fluminense, provavelmente um dos últimos filmes feitos em película ali.
Estudei nessa faculdade de cinema um tempo depois de Paixão e dou testemunho de que essas coisas não voltaram a acontecer. A Contracampo encerrou suas atividades e o Centro Cultural Banco do Brasil mudou sua política em relação às mostras de cinema – tornando impossível que retrospectivas integrais com cópias em 35mm com grandes catálogos e diversas atividades extra-filme acontecessem novamente. Filmes em película não foram mais realizados no Instituto de Artes e Comunicação Social enquanto trabalhos de conclusão. A política do audiovisual do país, que passava por anos generosos durante as administrações do Partido dos Trabalhadores, enfrentou a austeridade do regime Temer e depois o desmonte do governo Bolsonaro. Ou seja, quis o destino que João Gabriel Paixão fosse uma espécie de sujeito no apagar das luzes e que A premonição fosse o filme a fechar as portas de um conjunto de iniciativas e sonhos de uma geração de jovens. Inclusive do próprio realizador, que em seguida troca o cinema pela vida acadêmica na filosofia (mas espero que retorne um dia, talvez em percurso semelhante ao de Jean-Claude Brisseau).
Embora eu seja de uma “geração seguinte” à de Paixão, vi meus amigos de crítica e de cinefilia selvagem amargarem destinos semelhantes ou mais cruéis: mesmo que os nossos sonhos com o cinema fossem enormes e a nossa entrega dedicada — ao nível de uma devoção religiosa — não encontramos caminho ou sequer migalhas para viver de cinema. Ver vidas repletas de desejo, juventude e curiosidade simplesmente interditadas pela mesquinhez e pela falta de condições foi uma das coisas mais tristes que testemunhei. Nesse processo, as pessoas envelhecem, adoecem ou mesmo literalmente perdem a cabeça. Guardo um gosto amargo por perceber que a geração anterior, que de fato atravessou para o campo do cinema enquanto profissão, pouco ou nada fez para integrar os jovens nomes. Mas isso já é tema para outro texto.
Enfim, A premonição é tudo isso e mais. É o retrato de um personagem obsessivo que não consegue controlar sua doença – e fala dela durante a primeira parte, com um misto de empolgação e repulsa. No interior de um típico gabinete carioca, em um tempo histórico no qual passado e futuro coexistem, o texto de João do Rio é evocado na intersecção entre Straub-Huillet e Júlio Bressane: essa intersecção se chama humor. Nesse primeiro movimento, é possível e visível o projeto da cinefilia antes citada – a união de um repertório moderno e contemporâneo, denso como o clima e atmosfera típicos do local. Assim, Paixão abre em poucos minutos de filme um desvio que, infelizmente, acaba não sendo explorado nos anos seguintes: um realismo brasileiro, não necessariamente elusivo e “exotizante”, que não precisa reiteradamente afirmar sua pátria e seu problema pátrio enquanto informação (ou chantagem). É brasileiro por ser: algo que está no sotaque carioca, na baía de Guanabara com a ponte Rio-Niterói, nos móveis antigos e baratos, na cara dos funcionários públicos, no galão d’água que o enquadramento transforma em um terceiro personagem…
A segunda parte do filme consiste em ver o que fora anunciado: a encenação dessa perversão. O personagem é largado no Centro do Rio; a câmera o segue quase sempre no meio do quadro em uma sequência que remete a alguns filmes ou nomes que estavam em circulação nesse período dos anos 10: penso em A cidade de Sylvia (José Luis Guerin, 2007), os filmes de Eugène Green ou os últimos de Manoel de Oliveira. Mas o filme não chega a esses exemplos; esbarra ou na precariedade das atuações, ou na limitação dos espaços e da logística (deve ser difícil filmar no Centro). Torna-se uma antítese da primeira parte, que é precisa e sem arestas.
Esse personagem persegue uma mulher, mas a interação entre os dois já não convence. É como se, em movimento semelhante, Paixão também estivesse a perseguir um filme que já não é mais possível de realizar e fosse ao encontro de algo semelhante às cenas e temas (jovens no bar, por exemplo) que tomariam conta das jovens produções independentes, e também precárias, dos anos seguintes. O filme alcança o futuro, mas isso não é o que almeja. Precisa fazer algo a respeito.
Eis que surge o plano da faca empunhada. Em seguida, o personagem principal de costas, a olhar a arma. Aproximamo-nos de seu rosto; ele se demora, olha para o lado como em dúvida e depois para frente. O filme encerra e nos deixa sozinhos e assombrados com as seguintes perguntas: é melhor (ou possível) viver uma vida de repressão e impotência? Ou devemos levar nossas obsessões às últimas consequências, mesmo que isso signifique recorrer à violência e, consequentemente, interditar qualquer possibilidade de compreensão?
Cauê Dias Baptista é cineasta, diretor artístico dos Estranhos Encontros e sócio da PENA CAPITAL.
ENTREVISTA COM JOÃO GABRIEL PAIXÃO
João Gabriel Paixão fez parte de um contexto efervescente de cinema no Rio de Janeiro. Fundou sua própria produtora, a Raio Verde Filmes, pela qual produziu mostras – dentre elas a Mostra Fritz Lang: o horror está no horizonte, no CCBB em 2014, assim como filmes, dentre eles A premonição. No campo da realização, no entanto, este foi o único filme assinado por Paixão, que acabou por seguir uma carreira na Filosofia, área na qual está a concluir o seu projeto de Doutorado. As perguntas e respostas aqui expostas nos permitem refletir sobre o que estava por trás do cenário do qual surgiu o filme, bem como sobre a figura deste realizador, que acabou por seguir uma carreira paralela ao cinema.
A premonição é baseado em um conto de João do Rio, o “Dentro da noite”. O que o levou a esta história e a este autor? Como foi adaptá-los?
A premonição é um curta-metragem concebido em 2008, filmado em fevereiro de 2010 e finalizado em junho de 2013, como trabalho de conclusão do curso de Cinema na Universidade Federal Fluminense. Comecei a pesquisar roteiros possíveis para baseá-lo em contos e contistas brasileiros. Todos os contos que encontrei do João do Rio me impressionaram muito. Ele era uma espécie de flâneur das almas das ruas cariocas no início do século XX, na Belle Époque. Mostrava o lado decadente, ou mesmo hostil, que transitava pelos becos e lugares à margem da cidade. Em seus contos, a cidade do Rio de Janeiro é um dos personagens, senão a protagonista. Isso é muito cinematográfico, porque a efervescência das grandes cidades, seu centro urbano, a própria cidade à noite, contêm uma atmosfera muito própria para filmar. Na época de realização do filme, adorava poder andar nas ruas do centro e me perder nelas. Eu queria captar a alma do centro do Rio, o espírito da cidade, e sabia que João do Rio me ajudaria nisso. O conto “Dentro da noite” foi livremente adaptado. A história original se passa em um trem suburbano, numa única viagem à noite, onde o narrador em primeira pessoa conta retrospectivamente sobre suas aventuras e fetiches sexuais. Mudei muita coisa, mas pelo menos acho que mantive o essencial do João do Rio: tentar transmitir a aura da cidade e os segredos que nela habitam. Num certo sentido, o roteiro é original e não adaptado. Mas João do Rio é uma influência dele, sem dúvidas.
Gostamos particularmente de como a sinopse do filme evidencia uma distinção entre dois momentos – um primeiro no escritório, um segundo nas ruas –, que terminam por convergir e divergir. Poderia comentar sobre esses entrelaçamentos, sobre como esses momentos dialogam?
Acho que eu queria filmar dois momentos. Num momento, temos a palavra, a enunciação, o texto. Eu queria uma encenação meio absurda, não verossímil, para encenar o texto quase onírico e literário. A ideia era que a palavra e o texto ficassem muito destacados, evidenciados, “materializados” num certo sentido. A segunda parte realiza-se como sonho ou como realidade – ou melhor, na mistura entre o sonho e a realidade. Por mais que o segundo momento, nas ruas, tenha um aspecto de documentário, a narrativa nos convida a entrar no sonho do personagem. Queria que a segunda parte fosse uma mistura de sonho e realidade, sua indistinção, e isso só seria possível tendo primeiro contado o diálogo que abre o filme. Boa parte do curta são experimentações que eu queria fazer (trata-se, aliás, de meu primeiro filme e, até o momento, o único): a experimentação com o cinema clássico-narrativo mais austero; a experimentação com as ruas do centro da cidade; a experimentação com o diálogo fortemente encenado, que pode lembrar Straub-Huillet ou Eugène Green. De fato, as duas partes do filme acabam ficando marcadas. Suas durações são quase iguais. Elas dividem o filme em dois: primeiro o texto filmado, que antecipa o que está por vir; depois o desenrolar dos acontecimentos, que lembra o texto, mas não é idêntico a ele. Não sei se queria um filme tão fortemente dividido. O que eu queria era o relato de um sonho em texto e depois esse relato ocorrendo na realidade.
Visto de cá, A Premonição nos parece um objeto raro. Mostra um horizonte formal que nos parece tributário do contexto de cinema da própria época. Como foi a recepção do filme e o que você esperava quando o realizou?
Lembro que, naquela época, eu frequentava festivais de cinema universitário, eu mesmo era universitário, e a produção que surgia nesse contexto tinha um aspecto que me desagradava, porque eu basicamente achava os filmes muito displicentes, pouco ousados ou falsamente experimentais, sem uma imaginação unificadora. Eu era um cinéfilo que via de tudo: cinema americano narrativo; cinema de autor, da Europa, Ásia e Américas; cinema independente e universitário. Não via só o cânone da história do cinema, mas buscava diversificar e estar atualizado com tudo que estivesse passando. Essa marca, que sinaliza meu período universitário, envolvia uma concepção radical (até as raízes) de autoria em cinema, de estilo, de forma. Eu queria poder fazer o melhor filme possível, dentro das minhas limitações. Não aceitava esse estilo amador e desavergonhado de boa parte do cinema universitário. Queria um grande cinema de autor e um grande cinema narrativo também. Tinha ousadia e orgulho da minha parte, era uma forma de eu mostrar que estava, de fato, pensando cinema, forma, narrativa etc. Nesse sentido, o filme tem uma seriedade, uma austeridade ,e mesmo um profissionalismo, que eu não via em muitos dos filmes universitários — posso dizer que minha ideia era justamente confrontá-los.
Quanto à recepção: sempre houve pessoas que gostaram do filme e vieram falar comigo a respeito dele. Nesse sentido, considero que a recepção tenha sido positiva. Mas o filme circulou em poucos festivais e não acredito que tenha sido visto por muitas pessoas. Talvez o que importe seja: sinto que quem gostou, gostou mesmo, não fez isso para me agradar, e isso é o que eu levo da recepção do filme.
Você poderia comentar um pouco sobre o quanto o filme mudou ou não entre as ideias iniciais e o processo de filmagem e montagem?
Realizei o roteiro e a decupagem no final de 2008. Filmamos em fevereiro de 2010. Na filmagem, basicamente segui a decupagem que estava na minha cabeça e o roteiro, então não houve grandes mudanças. A montagem também foi simples: como o curta é filmado e finalizado em 35mm, tínhamos poucos takes por plano – muitas vezes só um take –, o que facilitou o processo de montagem. O filme “foi se montando” naturalmente, conforme já previsto na decupagem; mas alguns planos acabaram saindo da edição final. Particularmente, saiu o que seria o primeiro plano e a primeira cena do filme, em que o protagonista está na cama dormindo. Na verdade, primeiro teríamos essa cena/plano com ele na cama dormindo, depois o escritório e só depois as ruas. Mas não ficou legal e decidi começar direto no escritório. Essa foi a grande alteração da montagem.
Quanto a processo criativo: como você costuma organizar as ideias no início de um projeto?
Como eu disse, A premonição é meu único filme. O processo dele foi muito intuitivo. Tinha que apresentar roteiro e decupagem para uma disciplina de graduação, então fui compelido a escrever e mandar o projeto. Não me lembro de grandes brainstormings. O processo foi mais intuitivo mesmo; baseado no conto do João do Rio, e, em parte, também em um sonho que tive. Nessa época, em torno de 2008, estava com muita vontade de fazer filmes e acho que eu queria visualizá-los em sonho (um sonho quase acordando, em que você mesmo o exerce). Devo ter maturado a ideia do filme por, pelo menos, seis meses – talvez mais tempo – antes de pôr num arquivo Word o roteiro e a decupagem. A forma e o estilo do filme também estavam entrando comigo no longo processo de maturação do meu pensamento sobre cinema.
O que levou você ao cinema e o que incentivou/complicou sua vontade de fazer filmes? Pretende continuar a filmar?
Adoraria voltar a filmar; tenho ideias para filmes, mas sempre há outras prioridades mais à frente. Não consigo parar minha agenda e compromissos para poder realizar um filme. A verdade é que dirigir um filme, um curta que seja, no Brasil, em 2024, é um luxo. Parece uma espécie de hobby caro. Mas, sim, eu adoraria realizar um novo projeto.
Hoje estou muito mais afastado do cinema do que estava na época do filme. Sou hoje um ex-cinéfilo, que vê apenas entre vinte e trinta filmes por ano – enquanto em outras épocas eram duzentos, 250 filmes por ano, ou mais. Não estou “vivendo” o cinema e isso é um fator desmotivador para realizar novos filmes, apesar de eu ainda querer fazê-los.
Agora, o que me levou ao cinema? Sempre gostei muito de cinema, desde a infância. Na adolescência fui gostando cada vez mais, especialmente do cinema de autor, do cinema “inteligente”. Percebia ter uma sensibilidade natural para o cinema. Isso inclusive se diferenciava das outras artes – a música, a pintura, o romance etc.; parecia que eu era mais “mainstream”, mais careta, sem tanta abertura ou sensibilidade para elas. O cinema era diferente. Também gostava de crítica de cinema desde uns catorze anos. Queria poder pensar sobre ele. Isso me levou à faculdade, à crítica e à realização.
Entrando na graduação em cinema, era natural o desejo de fazer filmes. Como também fui para a área da crítica, a realização era uma espécie de crítica de cinema realizada enquanto filme. Como eu falei, eu achava o cinema universitário de então muito displicente. Fazer o meu filme era uma forma de avaliá-los, de criticá-los. Isso porque a realização consciente sabe dos seus pressupostos sobre cinema; sabe como quer ser visto enquanto filme e isso é uma forma antecipada de crítica de cinema. Diria que é isso.
FICHA TÉCNICA DO FILME
A Premonição | Brasil | 14 minutos | Colorido | Digital | 2013
Direção: João Gabriel Paixão | Direção de Produção: Daniel Pech | Direção de Fotografia: Guilherme S. Francisco | Direção de arte e Figurinos: Déborah Saad | Captação, Edição e mixagem de som: Thiago Sobral | Uma produção Raio Verde Filmes/ Universidade Federal Fluminense | Com Paulo Garcia, Flávio Ozório, Rodrigo Reinoso, Luciana Hazin, Ariane Rocha, Toni Moreira.
APOIADORES DOS ESTRANHOS ENCONTROS
Franco Cavezale Grisi | Pedro Faissol